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O erro faz parte da aprendizagem: O progresso nasce da tentativa

Como referenciar este texto: O erro faz parte da aprendizagem: O progresso nasce da tentativa’. Rodrigo Terra. Publicado em: 15/04/2025. Link da postagem: https://www.makerzine.com.br/educacao/o-erro-faz-parte-da-aprendizagem-o-progresso-nasce-da-tentativa/.

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Quantas vezes você já viu um aluno travar por medo de errar? A mão que hesita em levantar, a resposta sussurrada com receio, o caderno apagado até rasgar. Na sala de aula, o erro ainda carrega o peso de um fracasso — algo a ser evitado, escondido ou corrigido rapidamente. Mas e se a gente começasse a olhar para o erro com outros olhos?

E se, em vez de perguntar “acertou?”, passássemos a perguntar “o que você descobriu tentando?”? A mudança pode parecer sutil, mas carrega uma transformação profunda na forma como ensinamos e aprendemos. Quando o erro deixa de ser um fim e passa a ser um meio, abrimos espaço para que os estudantes experimentem, explorem e construam sentido. Nesse texto, convido você a refletir sobre como podemos cultivar uma cultura onde errar é não apenas permitido — mas necessário para aprender.

O erro como parte do processo de aprendizagem

Desde cedo, aprendemos a associar o erro a algo negativo. Nas avaliações escolares, ele costuma vir sublinhado de vermelho, muitas vezes acompanhado de silêncio, frustração ou até vergonha. Essa visão punitiva do erro se consolidou como parte do modelo tradicional de ensino, em que o acerto é visto como sinal de sucesso e o erro, como prova de incapacidade. Mas essa lógica ignora algo essencial: ninguém aprende sem errar.

Do ponto de vista pedagógico, o erro é um componente indispensável da aprendizagem. Jean Piaget, um dos pilares da psicologia do desenvolvimento, defendia que o conhecimento não é algo que se transmite pronto — ele é construído pelo sujeito, por meio de interações com o mundo. Nesse processo, o erro surge como um ponto de desequilíbrio que gera reflexão. Ao errar, o aluno é confrontado com algo que não se encaixa em seu modo atual de pensar, e isso o obriga a reorganizar suas ideias, buscar novas estratégias, experimentar outros caminhos. É exatamente aí que o aprendizado acontece.

Seymour Papert, criador do termo “pensamento computacional” e um dos precursores da educação maker, também valorizava o erro como parte do processo criativo. Em suas experiências com crianças programando com o Logo, Papert observou que o erro deixava de ser um obstáculo e passava a ser uma oportunidade: um bug, por exemplo, não era motivo de punição, mas um convite à investigação. Essa mentalidade — de errar, testar, corrigir, tentar de novo — está no coração de práticas inovadoras de ensino e aprendizagem.

Na prática, isso significa criar ambientes em que o aluno se sinta seguro para tentar, mesmo sem garantias de acerto. Onde ele possa explorar sem medo, sabendo que o erro não o diminui, mas o impulsiona. É importante lembrar que errar não é sinônimo de desatenção ou descaso — pelo contrário, muitas vezes o erro nasce justamente do esforço genuíno de compreender algo novo. Cabe a nós, professores, reconhecer e valorizar esse esforço.

Ao tratar o erro como parte do processo, rompemos com a lógica do “certo ou errado” e passamos a enxergar o aprendizado como uma jornada. E essa jornada não é feita de respostas perfeitas, mas de tentativas honestas, de caminhos que se cruzam, de hipóteses que se testam, de falhas que viram descobertas. O erro, nesse sentido, não é um fim — é o início da construção do conhecimento.

Cultura do acerto vs. cultura da descoberta

Na maioria das escolas, a cultura do acerto ainda é dominante. Ela se manifesta em detalhes aparentemente inofensivos: a ênfase nas notas finais, a valorização de quem “termina primeiro”, os quadros de honra, os testes com gabarito único e o uso excessivo de recompensas para quem acerta. Tudo isso constrói um ambiente em que errar é visto como fracassar — e, pior ainda, como se esse fracasso fosse definitivo. O medo de errar paralisa. Ele impede a curiosidade, bloqueia a criatividade e reduz a participação, principalmente entre os alunos que já se sentem inseguros.

Essa cultura do acerto alimenta a ideia de que o conhecimento é algo fixo, e que só tem sucesso quem chega rapidamente à resposta certa. Mas isso vai na contramão do que sabemos sobre como se aprende. A aprendizagem real — aquela que transforma, que gera entendimento profundo — raramente acontece de forma linear. Ela é feita de testes, hipóteses, caminhos que não funcionam, dúvidas que demoram a se resolver. É nesse vai e vem que o estudante se apropria do conteúdo e desenvolve autonomia para pensar por si.

A cultura da descoberta, por outro lado, valoriza o processo. Ela acolhe a dúvida, legitima a tentativa e reconhece o erro como parte de um percurso significativo. Nessa cultura, o papel do professor muda: ele deixa de ser o detentor da resposta certa e passa a ser o mediador de experiências de aprendizagem. O aluno também ganha novo protagonismo — ele é visto como sujeito ativo, capaz de construir conhecimento a partir de suas próprias vivências.

Criar uma cultura da descoberta não significa abrir mão do rigor, mas sim mudar o foco: do produto para o processo, da resposta pronta para a construção do raciocínio. Isso pode se dar de muitas formas: propor atividades abertas, incentivar diferentes soluções para um mesmo problema, valorizar perguntas bem feitas, transformar erros em pontos de discussão coletiva. Até mesmo nas avaliações, é possível dar mais atenção à argumentação do aluno do que ao resultado final.

Adotar essa nova perspectiva exige tempo, coragem e disposição para rever práticas. Mas os benefícios são profundos: alunos mais confiantes, mais curiosos, mais engajados — e professores que ensinam com mais sentido. Porque, no fundo, ensinar é isso: ajudar o outro a descobrir. E ninguém descobre sem se perder um pouco no caminho.

Exemplos práticos: quando o erro vira descoberta

Falar sobre o valor do erro em teoria é importante, mas nada substitui o impacto de vê-lo em ação. Em sala de aula, especialmente no ensino básico, temos inúmeras oportunidades de transformar erros em momentos ricos de aprendizado — basta estarmos atentos e dispostos a ressignificá-los.

Pense em uma aula de matemática em que os alunos estão explorando frações. Uma estudante escreve que 1/3 é maior que 1/2. Em vez de simplesmente corrigir o erro, a professora convida a turma a debater: “Quem acha que essa resposta está certa? Por quê? Como poderíamos testar isso de diferentes maneiras?” A partir desse “erro”, a turma é levada a discutir conceitos de proporcionalidade, a construir representações visuais com pedaços de papel, a comparar frações na prática. O erro inicial gera uma situação-problema que mobiliza o pensamento coletivo. No fim da atividade, a turma não apenas aprendeu que 1/2 é maior que 1/3, mas compreendeu o porquê — e isso faz toda a diferença.

Outro exemplo vem das aulas de ciências, quando alunos montam experimentos simples, como construir um filtro de água com materiais recicláveis. Uma turma monta o filtro, mas a água não sai limpa como o esperado. Fracasso? Não. A professora aproveita o momento para investigar: “O que aconteceu? Que materiais usamos? O que poderíamos fazer diferente?” Eles discutem o tamanho dos grãos de areia, a ordem das camadas, a necessidade de carvão. Ao final, reconstroem o experimento, testam novamente e percebem o que funcionou. A frustração inicial se transforma em investigação, e o erro vira ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento científico.

Nas práticas de educação maker, esse tipo de experiência é ainda mais evidente. Imagine um projeto de construção de pontes com palitos de picolé. Um grupo se empolga com a ideia, constrói uma estrutura alta e bonita — mas ela não aguenta o peso do teste final. Em vez de desanimar, os alunos voltam ao projeto, discutem equilíbrio, resistência, distribuição de peso. Muitos aprendizados que não estariam em um plano de aula tradicional emergem dessa experiência concreta. Aqui, o erro é visto como um dado do processo, e não como um obstáculo.

Até mesmo na escrita é possível usar os erros como ferramenta. Quando um aluno escreve um texto com ortografia ou pontuação equivocada, em vez de apenas sinalizar o erro, o professor pode propor uma atividade de revisão em duplas ou trios: “Leiam o texto do colega e tentem identificar pontos que podem ser melhorados. Como vocês reescreveriam essa frase?” Esse tipo de prática desenvolve não só a escrita, mas também a escuta, o olhar crítico e a cooperação.

O importante nesses exemplos é perceber que, em todos os casos, o erro é tratado com respeito e intenção pedagógica. Ele não é ignorado nem punido, mas sim acolhido como parte de uma investigação, de um processo de construção de sentido. O professor atua como mediador, ajudando os alunos a refletirem sobre suas ações, formularem hipóteses e tomarem decisões mais conscientes. Com o tempo, os estudantes aprendem que errar não é algo a ser temido — é um passo necessário para aprender de verdade.

Mentalidade de crescimento: aprender é um processo, não um destino

A maneira como lidamos com o erro está profundamente ligada à forma como enxergamos nossas próprias capacidades. Carol Dweck, professora de psicologia da Universidade de Stanford, cunhou o termo growth mindset — ou mentalidade de crescimento — para descrever uma visão em que habilidades como inteligência, criatividade e competência são desenvolvidas ao longo do tempo, por meio do esforço, da prática e, claro, do erro. Em oposição a essa visão, está a fixed mindset, ou mentalidade fixa, que entende que as pessoas já nascem com um certo “limite” de inteligência ou talento, e que não há muito o que possa ser feito para mudá-lo.

Infelizmente, muitas práticas escolares ainda reforçam a mentalidade fixa, mesmo que de forma inconsciente. Ao elogiar apenas os acertos, ao rotular alunos como “inteligentes” ou “lentos”, ou ao enfatizar notas em detrimento do processo, criamos um ambiente em que o valor do aluno é medido pelo desempenho imediato — e isso gera ansiedade, medo de errar e até desistência. Em contrapartida, quando cultivamos uma mentalidade de crescimento, o foco muda: o importante passa a ser o esforço consistente, a estratégia adotada, a reflexão sobre os próprios erros. Errar, nesse contexto, é visto como parte fundamental da jornada de aprendizagem.

Promover essa mudança de mentalidade requer ações concretas. Uma delas é mudar o tipo de feedback que damos aos alunos. Em vez de dizer “Você é muito bom nisso!”, podemos dizer “Você se esforçou bastante para resolver isso — conseguiu encontrar uma boa estratégia!”. Ou, no caso de um erro: “Essa tentativa foi interessante, mas o que você poderia ajustar? Vamos tentar de outro jeito juntos?”. Essa forma de devolutiva reforça a ideia de que o sucesso não vem de uma habilidade inata, mas de um processo ativo de construção.

Outro caminho é dar visibilidade aos erros como parte natural do processo. Professores também podem compartilhar suas próprias dificuldades, mostrando que todos enfrentam obstáculos — inclusive os adultos. Dizer “quando aprendi isso pela primeira vez, também me confundi” pode ser libertador para uma criança que sente que errar a torna “menos capaz”. Além disso, valorizar publicamente os alunos que revisam, tentam novamente, que fazem perguntas, mesmo quando erram, ajuda a criar um ambiente em que todos se sintam seguros para aprender de forma mais autêntica.

Vale lembrar que a mentalidade de crescimento não é um dom ou um traço fixo — ela também é aprendida e cultivada. É preciso oferecer às crianças e adolescentes oportunidades reais de explorar, falhar, reconstruir e persistir. E isso exige tempo, paciência e um ambiente emocional seguro. Cabe a nós, professores, sermos os primeiros a demonstrar que aprender é um caminho cheio de curvas — e que cada tropeço pode nos levar mais longe.

Ao adotarmos a mentalidade de crescimento em nossas práticas pedagógicas, abrimos espaço para uma educação mais inclusiva, mais humana e mais conectada com a realidade dos estudantes. E, acima de tudo, ensinamos que o valor de alguém não está em quantas vezes acerta, mas em quantas vezes se permite tentar de novo.

Errar para avançar, ensinar para transformar

Rever a forma como encaramos o erro na escola não é apenas uma mudança de linguagem ou de postura — é uma transformação profunda na forma como concebemos o próprio ato de aprender. Quando deixamos de tratar o erro como falha e passamos a enxergá-lo como parte essencial do processo, abrimos espaço para uma educação mais significativa, em que cada estudante se sente valorizado não por já saber, mas por estar disposto a descobrir.

Como educadores, temos um papel fundamental nessa virada de chave. Somos nós que construímos, todos os dias, o clima emocional da sala de aula. E esse clima pode ser de medo ou de confiança, de julgamento ou de acolhimento, de cobrança cega por resultados ou de incentivo sincero à tentativa. Ao escolhermos valorizar o processo, ao incentivarmos a curiosidade e ao tratarmos os erros com respeito, mostramos aos nossos alunos que o conhecimento não está pronto — ele é construído com coragem, persistência e muitas tentativas.

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Rodrigo Terra

Com formação inicial em Física, especialização em Ciências Educacionais com ênfase em Tecnologia Educacional e Docência, e graduação em Ciências de Dados, construí uma trajetória sólida que une educação, tecnologias ee inovação. Desde 2001, dedico-me ao campo educacional, e desde 2019, atuo também na área de ciência de dados, buscando sempre encontrar soluções focadas no desenvolvimento humano. Minha experiência combina um profundo conhecimento em educação com habilidades técnicas em dados e programação, permitindo-me criar soluções estratégicas e práticas. Com ampla vivência em análise de dados, definição de métricas e desenvolvimento de indicadores, acredito que a formação transdisciplinar é essencial para preparar indivíduos conscientes e capacitados para os desafios do mundo contemporâneo. Apaixonado por café e boas conversas, sou movido pela curiosidade e pela busca constante de novas ideias e perspectivas. Minha missão é contribuir para uma educação que inspire pensamento crítico, estimule a criatividade e promova a colaboração.

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